segunda-feira, novembro 24, 2008

Escuro...

Consegues ouvir o som do breu?
Sentes o cheiro da noite, o suor das estrelas? As lágrimas da Lua, caem e molham-nos os olhos, talvez por compaixão...As paredes húmidas das casas, á noite, os silêncios ensurdecedores, os ecos da meia-noite escondem os gritos da liberdade, os cânticos dos nocturnos que anseiam por se libertarem, pesadas correntes que nos prendem sabe-se lá ao quê, não nos deixam mover. O que a noite esconde? O que a noite revela...Os gatos pardos, feios e magros, ou as camuflagens exuberantes que exibem muito mais do que valem. A noite. A noite...Os fumos tapam os cheiros suaves da maresia, entorpecem as mentes, pouco sóbrias, e o álcool, que desinfecta as feridas, o pelo menos escondem-nas por momentos. E o quando o sol surge? Diz que aparece para todos...que aquece todos...Mas quantos se escondem á sua presença? A luz que tudo quer mostrar, a nu, sem vergonhas. Mas não, quando surge o sol, escondem-se nas tocas, fogem da sua luz que tudo revela, escondem-se no escuro, tapam as caras, e os corpos caprichosamente marcados pela vida. Desejam a noite, querem-na, vestem a sua capa porque é mais do que uma farda. Encolhem-se ao toque quente da luz, com medo, cobardia talvez, mas apelam que a noite volte, e que os liberte. Até os arrepios do frio parecem mais confortáveis, o calor amolece os corpos e o frio acorda-nos para uma vida muito mais além....á noite somos nós sem o ser, á noite não somos almas penadas, á noite somos todos iguais...

quarta-feira, novembro 19, 2008

Pôr-do-sol


É daquele tom alaranjado, tórrido, quente, até mesmo no frio gélido do Inverno. É uma mistura de melancolia, cheia de cor, com tons de alegria, que nos desperta o olhar e uma mistura de sentimentos. Surge em todo lado, para os pretos e brancos e beges e amarelos e vermelhos, em todos os continentes, para todos os olhos. É importante para todas as crenças e religiões, é romântico em qualquer parte do mundo, inspirador para artistas e aspirantes, e mesmo que nem todos possamos ver as suas cores todos podemos sentir o seu calor. Surge em cenários de paz, guerra e mistos, nos subúrbios, nas barracas, nos condomínios, nas serras, no litoral, na aldeia, em Nova York e em Bagdad, em Lisboa e no Porto, e ninguém fica indiferente. Foi visto na pré-história, na proto-história, pelos romanos e pelos bárbaros, nas dark-ages, nos iluminados descobrimentos, durante as guerras e as chaminés que começavam a deitar fumo tapando a sua luz, e no 11 de Setembro também houve pôr-do-sol, e nos dias seguintes e nos outros…Muitos ignoraram o pôr-do-sol do dia de hoje, muitos outros o viram, mas é uma presença constante, ao longo dos tempos e espaços, e é das poucas coisas, que ainda podemos partilhar, todos, sem distinção, e que ninguém fica indiferente, um verdadeiro bem comum.
Ver a simplicidade do pôr-do-sol, e admira-lo, pela sua presença sempre constante e pacifica, e eventualmente aprender com ele, não dói. Apesar de se assemelhar com um Deus, penso que não vai atirar um raio destruir e punir as pessoas pelos seus pecados…Geralmente prefere aquecer almas…

segunda-feira, novembro 17, 2008

Amanhã

Amanhã. Amanhã vou mudar o mundo.
Amanhã vai haver tempo para fazer coisas. Para mudar. Para estudar, e ver o nascer do sol, e ver-se a pôr também. Ver o mar, e o rio, e os lagos se os houver. Amanhã vai-se corrigir aquele erro. Amanhã vai-se pedir desculpa. Mudar o penteado, e telefonar aquela pessoa que não se vê há séculos. Amanhã vou ser eu, vais ser tu, vamos ser reais, simplesmente, livres das algemas sociais. Amanhã vai-se ajudar alguém, e concertar aquela coisa que está estragada há que tempos. Amanhã vai haver paciência. E visitar as alminhas ao cemitério. Ler aquele ler livro que Aquela pessoa te deu e eu nunca houve tempo para ler, é poesia. Vai haver vontade para ir a um ginásio, e escrever e desenhar. Ir ao cinema, e fazer tudo aquilo que foi adiado. Amanhã finalmente vai haver coragem. Amanhã pode-se dizer “Amo-te”…
Amanhã. E amanhã. Amanhã parece fácil. Porque amanhã, dizem eles, há-de ser melhor. Mas hoje, é amanhã. E hoje, é duro. Hoje dói. Hoje não, nem há força para caminhar, quanto mais mudar. Hoje, hoje vai-se pensar no amanhã. E amanhã, amanhã já passou, e hoje, hoje está tudo igual. Como sempre…
Mas nem só de pão vive o Homem, dizem eles, vive da fé, talvez na fé do amanhã ser melhor. Mas hoje, está igual, e está mal. E depois? Cais…no chão, e levantas-te. Como sempre…Vais desejar o amanhã, quando a ferida no joelho estiver melhor, e vais caminhar, para outro amanhã. Como sempre…E olhar para trás, ver o Ontem. Até parece bom, já passou. Como sempre…E amanhã? Será…Como sempre…amanhã.

terça-feira, novembro 04, 2008

Mundo estranho....mundo cinzento

Em memória de alguém cinzento e da filha dele que há-de conhecer um mundo melhor que o pai

Andamos todos cegos? Será? Que mundo é este onde só vêem o preto e o branco? Não discuto que haja bom e mau, mas será que não vêem que toda gente comete erros? Que somos muitas vezes arrastados sem dar conta, para uma vida que nem sempre é a mais certa? E depois somos julgados por viver num mundo de merda que nos obriga a fazer coisas horríveis para sobreviver…não é justo. Vivemos esta vida porque há quem feche os olhos ao mundo, que não veja que o mundo mudou, que há cinzentos e quem sabe tonalidades ainda mais estranhas e confusas.
São os tipos que estão em casa, que ainda vivem a animação dos anos 60, a ressaca da revolução, a fútil ideia de que mudaram o mundo, que viviam mal mas agora tudo está bem, que só está bem quem é estúpido e faz más escolhas. Classe média, soldados brancos, que vestiram a farda da fé no socialismo e neste país liderado por tolos, que julgam agora, justo e livre, e não vêem a podridão que eu, e muitos outros, vêem. Deixaram os sonhos e as frases de protesto em nome de uma vida que a sociedade e os media lhes disseram que era boa, vivem por moldes pseudo católicos de quem não vai a missa e ignora Deus o ano inteiro menos quando precisa, que ignora o protesto a menos que lhes doa o cotovelo. São pessoas que julgam os outros pelas más escolhas sem verem o caminho que estes percorreram e facadas que levaram, o buraco onde foram enterrados. São as pessoas para as quais um toxicodependente está a arrumar carros e a roubar velhinhas, dá xutos nos becos o dorme no chão. São esses cegos, que ignoram a frieza do mundo que eles alimentam, que fazem uma coisa que odeiam só porque ter um telemóvel giro é um ideal de vida como outro qualquer. São os que se intitulam pessoas normais, comuns. São esses que julgam um tipo que tem uma filha e morre com uma facada porque andava sempre metido em confusão, vive nos subúrbios e as suas escolhas não foram as certas: porque toda a gente pode escolher a vida que tem! Errado! Não pode. A liberdade é vaga, e só podemos escolher o que nos dão á escolha. Não são estes os humanos normais que cometem erros, são por vezes iguistas, tristes, mas amam e sofrem como outro qualquer, são estes que cabem no cinzento, e muitos chamam de más companhias?! São estes que têm um sentimento de grupo, e de amizade incondicional por alguém só porque sentem que já passaram pelo mesmo, estão na sombra do cinzento, que muitos chamam de submundo!? É ridículo…
Essa gente que acredita religiosamente no discurso de fachada da televisão, essa gente cega que não vê que drogados são também aqueles viciados em calmantes, e que a cocaína não faz drogados que se arrastam na rua, que uma má escolha não significa sermos maus, que estar no fundo não significa que nos tenhamos atirado para lá, podem ter nos empurrado. Acreditam no poder mesmo quando este os tenta cortar as asas de todas as formas e feitios, são estes que falam “em pessoas normais” e gente “fora da lei” ou “más companhias”, são estes que comparam a Lisboa dos anos 70 e 80 á Lisboa de hoje, que pensam que os subúrbios não são uma selva porque vieram para cá mais velhos e os usam como dormitórios, que os problemas de agora são iguais ao passado, caros, uma novidade, o mundo mudou, e não pára, e melhor, de cada vez que se resolve um problema surge outro, de cada vez que se descobre uma coisa boa, surge alguma má, porque ninguém é perfeito e porque há, de facto, coisas ruins na vida que não podemos ignorar e passar ao lado. São estes que vêem os morangos com açúcar e acham que aquilo retrata os problemas dos jovens, que vêem o telejornal e acham que a onda de crimes é de hoje e que a polícia faz tudo o pode. São esses que vão votar assiduamente porque acham que é o melhor que podem fazer pelo país.
Essa gente divide o mundo em bons e maus, preto no branco, e então os cinzentos? Classe média que faz parte da maioria que fecha os olhos ao pedinte, se enoja com o coroxo e cumprimenta o Sr. Dr. Com muito respeito, sem sequer notar que ele vem a fungar da casa de banho e com pozinhos brancos no nariz…Que acham que é porreiro e normal se um medico os enche de drogas mas acham mal se o adolescente fumar uma ganza, que acham mal que uma mulher se apaixone por outra, mas que o senhor de família ter uma amante é saudável, criticam todo sem dó nem piedade, que o outro é drogado e aquele é uma puta, e fecham os olhos ao que se passa nas suas casas e com eles próprios. Ignorar é o lema, ignora que passa, há-de passa se Deus quiser…
Cegos, todos os cegos voluntários, fizeram este mundo de farsa e têm fé nele. A janela para o mundo real não é o meu apartamento T3 no Seixal e uma televisão ligada no telejornal: só se vê mundo com os nossos olhos, só podemos conhecer as coisas quando lhes tocamos, só podemos conhecer as pessoas com o coração e só se pode ajudar alguém quando lhe estendemos a mão.
Temos que mudar para o mundo mudar também.
É difícil, eu sei