terça-feira, outubro 11, 2005

O que foi...o que passou a ser...O que o tempo muda...

Eu

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Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada...a dolorida...
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Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
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Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
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Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca me encontrou!
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Florbela Espanca, Livro de Mágoas,
1919
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Eu
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Até agora eu não me conhecia.
Julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.
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Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim....e não me via!
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Andava a procurar-me -- pobre louca!--
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!
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E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esvrasear
As apagadas cinzas da minha alma!
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Florbela Espanca, Charneca em Flor, 1930 (ano da sua morte)
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Palavras para quê? Apenas realço, do primeiro poema para o segundo, a gradação de sentimentos, estado de espirito...

1 comentário:

José Borges disse...

Eu se escreve-se assim também me suicidava, por isso é que eu me recusoa ler certos autores. É bonito, demasidado bonito e... verdadeiro!